
Sei que o debate que esse título gera não é dos mais fáceis. Na verdade, o assunto é bem espinhoso. Eu me lembro de quando ainda era aluno da graduação do curso de Letras: a professora de História e Formação da Língua Portuguesa entrou na sala e, após brevíssima exposição, exigiu a leitura de uma obra, a qual seria objetivo de um trabalho posteriormente.
O livro? “Língua de Eulália”, do Marcos Bagno. Como graduando assíduo, é evidente que li a obra. Uma narrativa bastante simples e com uma lição importante a respeito de preconceito com o modo como algumas pessoas falam. Estava ali plantada a semente dos estudos a respeito de preconceito linguístico, um tema que veio a ser tão popularizado tempos depois que se transformou em atalho para qualquer pessoa que suponha entender superficialmente de língua ou linguística.
Bem, é claro que – para meu espanto – o livro foi trazido como crème de la crème dos estudos sobre sociolinguística à época. Conheço a sociolinguística, é um campo tão prolífico quanto sério, mas – infelizmente – a forma como é apresentado (ao menos no Brasil) tem deixado brechas para o pensamento simplista e – por vezes – reducionista.
Vamos ao ponto central do título deste artigo: nem tudo que se vê em relação à escrita e à fala pode ser apontado como preconceito linguístico. A ideia de preconceito é, de forma clara, o alijamento social, a repulsa, a categorização como inferior de qualquer indivíduo por características que lhe são, em algum, grau inerentes. Pensando linguisticamente, o indivíduo sofre esse tipo de preconceito quando riem de sua realização do R, quando ridicularizam sua pronúncia do E em algumas situações, quando lhe impingem o rótulo de néscio por causa de um bilhete escrito de forma deficiente.
De outro lado, uma aula em que se ensina a gramática da língua portuguesa não é preconceituosa, pois se trata de iniciação científica sobre estudos estruturais da língua. É necessário conhecer o padrão para entender o que é uma variante. É necessário entender quais são as situações de exigência do padrão de comunicação, fundamentalmente no texto escrito. Esse é o papel da escola.
Há alguns dias, coloquei em uma rede social uma imagem de uma placa que deveria ser de um estabelecimento comercial com alguns erros de grafia. Minha intenção era mostrar como é o registro quando o indivíduo escreve de forma perceptual, ou seja, como ele imagina que seja a palavra. O resultado foi desastroso: centenas de pessoas que diziam que eu sequer seria professor, que aquilo era uma humilhação, que eu deveria arrumar a placa (era apenas uma foto que peguei na Internet) em vez de tirar sarro (não havia qualquer riso no post), e que eu deveria ler os livros do Marcos Bagno para eu aprender a não disseminar o preconceito linguístico.
Isso me fez questionar até que ponto o professor será livre para mostrar a realidade observável no mundo, a fim de cotejar com a teoria sem receber alguma alcunha maldosa de quem sequer entende do assunto que está a comentar. Como eu sempre digo: a evolução nem sempre é para melhor.