Os ratos e o queijo

ratos

Certa feita, dois ratinhos encontraram um belo pedaço de gorgonzola dando sopa em um dos balcões da casa onde fizeram sua toca. O pedaço era bem grande e não seria necessário ficar saindo da toca para buscar outras coisas durante um bom tempo. Tudo de que necessitavam estava bem por ali. A coisa ficou tão legal, que o Alves (que avistara a peça de queijo) resolveu chamar um primo para passar um tempo ali. Beltroneu, o amigo (que ajudara a carregar a peça), sentiu-se no direito de trazer mãe e pai para provar da iguaria.

Foi só festa na extravagância do queijo durante a primeira semana: faziam pequenos anéis com a comida; jogavam para cima a fim de simular chuva de queijo ralado; Clóvis (o primo do Alves) fez até um bonezinho de queijo, que ostentava quando dava uma volta pelas galerias que há entre as casas. Vocês se enganam quando pensam que construímos casas e os ratos as invadem. Nós é que subimos paredes em volta das casas dos ratos. Tudo é dos ratos!

O Clóvis, um dia, voltou puto da cara, porque – no cruzamento entre a São Vicente e a Bastião Tavares – um filho de uma ratazana resolveu levar o seu bonezinho de queijo. Chegou, mostrou os dentes e mandou dar o boné se não quisesse morrer, safado! A inconformidade foi geral: como é que alguém resolveria tomar desse jeito aquilo por que ele lutou tanto para conseguir? O mundo estava virado! Ninguém mais pode sair na rua?

Dois dias depois, foi o colar – de queijo, obviamente – que Beltroneu deu para a mãe (Zilda) o objeto de desejo de um ratão que estava escorado perto do esgoto do Shopping Alberta Norte. Ele, forte e jovem, chegou a arrastar a dona Zilda por alguma distância antes de o colar se partir e o meliante enfiar tudo na boca.

– Rato é uma merda! – exclamava Miro (o marido de Zilda). É por isso que nunca vão ter nada esses safados! Não gostam de trabalhar! Esperam tudo de mão beijada, ou tomam de quem trabalhou para conseguir o pouco que tem. Eu não consigo acreditar! Tinha é que matar tudo, sem nem perguntar! Que praga que são esses ratos, porra!

A ideia estava na cabeça: precisamos defender o nosso queijo desses ratos pilantras que estão por aí! Vamos fazer o seguinte: a gente divide isso que está aqui na sala, para que cada um possa proteger o seu pedaço em um lugar diferente. Assim, mesmo que alguém tome a sua parte ou que você perca por causa do destino, ninguém vai passar muita necessidade.

– Perfeito! Vamos dividir! Ainda bem que você estudou! – essa frase foi do Cabelo (o primo do Alves).

– Bem, vamos começar a cortar! Como eu que achei esse queijo, essa metade maior aqui vou deixar comigo! – disse o Alves, puxando a pequena faca (que existe no universo dos ratos) para cortar o queijo.

– Opa, espere aí, meu nobre! Como é que o distinto amigo vai tomando essa decisão, onde está a igualdade aí? – isso foi o Beltroneu.

– Nós somos dois, precisamos de mais! – Zilda, sob o olhar de aprovação de Miro.

– Vão tudo tomar no cu! – exclamou o Cabelo, antes de cair de boca num pedação de queijo, deixando boa parte bem babada.

Daí pra frente, o discurso se acabou. Garras, dentes, sangue e queijo foi o que se viu por ali durante, talvez, uma meia-hora. Alves teria sobrevivido, não fosse o Mimi ouvir toda a algazarra e morder seu corpo, já cansado de tanta luta.

Depois de duas semanas, Nelson avista um belo pedaço de queijo, que dava sopa numa toca velha abandonada…

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3 comentários sobre “Os ratos e o queijo

  1. A crônica traz à tona situações que saem do mundo literário tornando – a tão atual e presente na realidade da sociedade, tais como: coisa achada é de todos, que os que trabalham (esses que se aproveitaram) sofrem com o perdimento dos seus bens e a falta de empatia (quando tratou-se da divisão do queijo).
    Por isso, seguimos humanos agindo como ratos!

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